Vale a pena ler. Mais uma vergonha para Portugal que nos passou despercebida, mas é importante saber. Ferreira Fernandes explica-nos.
A
Expo 2015, em Milão, é dedicada às arrecadas de ouro de Viana do Castelo, ao
cavaquinho e ao Licor Beirão. Já é surpreendente que o quase centenário
Gabinete Internacional de Exposições tenha decidido fazer uma Exposição
Universal com assuntos tão portugueses. Mas o mais extraordinário é que o apelo
pelos valores lusos acabou por ser acolhido por 142 países. Dão-se conta? O
pavilhão das Seychelles a mostrar renda de bilros, o da República Islâmica do
Irão a distribuir cálices de ginjinha e no dia da Finlândia vai ouvir-se um
lapão a cantar o fado... Grande Portugal, quanto das tuas coisas típicas é
orgulho universal!Eu minto, mas só um pouco. O interesse da Expo 2015 não é pelas pequeninas
coisas avulsas portuguesas. Não é por Belém (o pastel), é pelo fantástico que
Belém (a Torre) significa na História Universal. A minha pequena mentira do
primeiro parágrafo esconde a verdade grandiosa da Expo de Milão: ali se saúda
(e é esse o seu lema) "a alimentação no mundo", isto é, as coisas de
comer passeando por aí. E que é isso senão Portugal ? O daqui para ali da
cana-de-açúcar e do abacateiro, a história do viajante amendoim, o milho
turista, o cacaueiro que partiu e a pimenteira que chegou, a peregrina palmeira
de dendém e o excursionista café... Não, não foi Portugal que os inventou, mas
foi Portugal que os apresentou ao mundo.Porém, nesse lugar - Milão, hoje - onde o mundo glorifica a comida,
Portugal não está presente. Não tem pavilhão, nem banca, nem um simples
papelinho distribuído à entrada: "Olá, vocês não se lembram, mas já nos
conhecemos. Foi Portugal que vos apresentou a/o [e aí o folheto diria o nome
dum tubérculo, dum fruto, dum cereal]..." Aos brasileiros deu o café para
conversar; à China e à Índia, a batata; e vindo dos Andes, o chili pepper, o
jindungo que, passando pelo Brasil, deu sentido às sopas tailandesas e
coreanas. Reparem, nem falo da paprica húngara - só reivindico as entregas
diretas. A Budapeste, o picante só chegou depois de passar pela Turquia,
trazido da Índia, onde, em Goa, os portugueses tinham metido o jindungo no
vindaloo. Leiam alto e descubram a origem da palavra:
"vinha-d"alho"... O vindaloo encontrei-o, também deturpado, em
Trindade e Tobago e no Havai.
> Em 1972, o americano Alfred W. Crosby publicou The Columbian Exchange (A Troca Colombiana), sobre uma mudança-chave da história, quando o Velho Mundo se encontrou com as Américas. Nesses anos, 1492, com Colombo, e 1500, com Pedro Álvares Cabral, o planeta começou a ser pintado redondo. Global, como hoje se diz. No maravilhoso A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses, de 1992, José Mendes Ferrão explicou essa contribuição portuguesa. O mais comum prato angolano, o funje, é acompanhado por fuba de milho ou por fuba de mandioca. O milho e a mandioca vieram do Brasil. E não se espalharam só pelas antigas colónias portuguesas, são as duas farinhas mais comidas em toda a África. O molho desses pratos é feito com óleo de palma, do coconote, que foi levado pelos portugueses da Índia (Goa) e Sudeste da Ásia (Malaca) para África e Brasil. Quem come moqueca em Salvador da Bahia, saboreia Goa, sem que a agência portuguesa de viagens cobre taxas. No Nordeste brasileiro, chama canjica ao mingau de milho, ou munguzá, se for sem tempero e sal. Os nomes vêm do quimbundo angolano, kanjika e mukunza. Quer dizer, a viagem das plantas não foi feita calada, uniu povos, para lá do palato.
> A cana-de-açúcar tem origem na Índia e chegou a Pernambuco, o café é da Arábia e chegou a São Paulo. "E quem levou ?", perguntaria o folheto que devíamos levar a Milão, já que não temos pavilhão. Os portugueses conhecem o ananás desde 1500, do Brasil. Levaram-no para estações de aclimatação, para os Açores, para o tornar de outro mundo (como levaram o cacau para São Tomé). Durante décadas, o Havai foi o maior produtor de mundial de ananás, mas só o começou a produzir em 1886, oito anos após o Reino do Havai, graças a um acordo de emigração com Portugal, já ter camponeses de São Miguel, Açores...O pavilhão da Santa Sé, na Expo 2015, diz que a comida é também assunto de rituais e símbolos. Claro. E os portugueses foram apóstolos do valor sagrado do pão, espalharam-lhe a palavra e os sabores. O governo português diz que não temos pavilhão porque não temos dinheiro. É falso. Não estamos lá porque quem decidiu é pobre de espírito. Não merece Portugal."
Ferreira Fernandes, Redactor Principal do Diário de Notícias
> Em 1972, o americano Alfred W. Crosby publicou The Columbian Exchange (A Troca Colombiana), sobre uma mudança-chave da história, quando o Velho Mundo se encontrou com as Américas. Nesses anos, 1492, com Colombo, e 1500, com Pedro Álvares Cabral, o planeta começou a ser pintado redondo. Global, como hoje se diz. No maravilhoso A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses, de 1992, José Mendes Ferrão explicou essa contribuição portuguesa. O mais comum prato angolano, o funje, é acompanhado por fuba de milho ou por fuba de mandioca. O milho e a mandioca vieram do Brasil. E não se espalharam só pelas antigas colónias portuguesas, são as duas farinhas mais comidas em toda a África. O molho desses pratos é feito com óleo de palma, do coconote, que foi levado pelos portugueses da Índia (Goa) e Sudeste da Ásia (Malaca) para África e Brasil. Quem come moqueca em Salvador da Bahia, saboreia Goa, sem que a agência portuguesa de viagens cobre taxas. No Nordeste brasileiro, chama canjica ao mingau de milho, ou munguzá, se for sem tempero e sal. Os nomes vêm do quimbundo angolano, kanjika e mukunza. Quer dizer, a viagem das plantas não foi feita calada, uniu povos, para lá do palato.
> A cana-de-açúcar tem origem na Índia e chegou a Pernambuco, o café é da Arábia e chegou a São Paulo. "E quem levou ?", perguntaria o folheto que devíamos levar a Milão, já que não temos pavilhão. Os portugueses conhecem o ananás desde 1500, do Brasil. Levaram-no para estações de aclimatação, para os Açores, para o tornar de outro mundo (como levaram o cacau para São Tomé). Durante décadas, o Havai foi o maior produtor de mundial de ananás, mas só o começou a produzir em 1886, oito anos após o Reino do Havai, graças a um acordo de emigração com Portugal, já ter camponeses de São Miguel, Açores...O pavilhão da Santa Sé, na Expo 2015, diz que a comida é também assunto de rituais e símbolos. Claro. E os portugueses foram apóstolos do valor sagrado do pão, espalharam-lhe a palavra e os sabores. O governo português diz que não temos pavilhão porque não temos dinheiro. É falso. Não estamos lá porque quem decidiu é pobre de espírito. Não merece Portugal."
Ferreira Fernandes, Redactor Principal do Diário de Notícias
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