domingo, setembro 21, 2008

a imagem não é nada, senhores

Recebi e repasso este texto assinado por Herbert Vianna, cantor e compositor brasileiro, por me parecer razoavelmente escrito, cheio de humor e de razão e escrito num país que foi um dos berços do desenvolvimento imparável da cirurgia estética e, felizmente, também da cirurgia plástica reconstrutiva. Vale a pena ler.

Cirurgia? Lipoaspiração? Pelo amor de Deus, eu não quero usar nada nem ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo-as e muito mais piração?
Uma coisa é saúde outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu. Hoje, Deus é a auto imagem. Religião é dieta. Fé, só na estética. Ritual e malhação.
Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem.
Gordura é pecado mortal. Ruga é contravenção. Roubar pode, envelhecer não. Estria é caso de polícia. Celulite é falta de educação. Filho da puta bem sucedido, é exemplo de sucesso.
A máxima moderna é uma só – pagando bem, que mal tem?
A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem. Imagem, estética, medidas, beleza. Nada mais importa. Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa.
Não importa o outro, o colectivo. Jovens não têm mais fé, nem idealismo, nem posição política. Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada.
O.K., eu também quero sentir-me bem, quero caber nas roupas, quero ficar legal, quero caminhar, correr, viver muito, ter uma aparência legal, mas uma sociedade de adolescentes anoréxicas e bulímicas, de jovens lipoaspirados, turbinados, aos vinte anos não é natural. Não é, não pode ser. Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude.
Que eu me acalme. Que o amor sobreviva.

Cuide bem do seu amor, seja ele quem for.

2 comentários:

msg disse...

Cá estou,mais uma vez,doutor.Que esteja bem,é o que lhe desejo. Antes de ir ao que me trouxe aqui,não levarei a mal que o doutor decida dar-me com a porta na cara,fechando-a com estrondo.É que a insistência,talvez a impertinência e,até,a indelicadeza,o esteja a pedir. Mas isso é com o doutor.
Dito isto,quero ,em primeiro lugar,louvá-lo,felicitá-lo,pela série "AS MÚSICAS DO SEU PAI". Foi uma bonita lembrança,como,aliás,já tive oportunidade de o referir. Ele,lá de CIMA,ao lado do DEUS DE TODOS,as terá recordado.
Eu tenho procurado fazer o mesmo com o meu,como posso,a mais não sou obrigado.
E agora, o que me suscitou a sua mensagem. Vou servir-me de um texto escrito já há uns anos,mas que está actual,à semelhança da CAMPANHA ALEGRE do nosso EÇA. Tudo como dantes,quartel general em Abrantes.
A SELVA
Isto é uma selva. Que o digam tantos que vivem ou vegetam neste mundo. A senhora a quem levaram a mala por esticão,pela ameaça de uma arma branca,pelo apontar de uma seringa infectada. O senhor a quem tiraram a carteira ou o anel de casamento. O velhinho a quem extorquiram a magra pensão. A menina que foi violada,não importa por quem. O trabalhador que não recebe o seu salário. O estudante que não aprende porque o professor gosta de ficar na cama. O doente que não melhora porque não tem dinheiro para os remédios. O pai aflito por se ver incapaz de sustentar a família como deve ser. A jovem assediada no emprego e que acaba por se prostituir para o conservar.O desemprego de qualquer duração. Os inquilinos que vivem em casas degradadas. As barracas paredes meias com prédios de luxo. Os que tem de se socorrer de agiotas. Quartos alugados por preços muito acima das rendas. O agricultor que tem de vender a sua produção perdendo dinheiro. Os esfomeados em frente de montras com acepipes. O fraco explorado sem vergonha pelo forte. A criança trabalhadora. Gente comum injuriada por inteligentes. Os sem empenhos,os que vão para as bichas. O pescador que não pesca porque o peixe sumiu-se. O industrial que tem de fechar as portas, por serem muito desiguais as leis do trabalho, no vasto mundo em que tem de competir. A mãe abandonada pelo marido. Os filhos que os pais abandonaram. Os meninos de rua. As crianças sem pão e sem carinho. Os recém-nascidos enjeitados. Os filhos não desejados. Os inocentes condenados. Os sofredores de injustiças. Os enganados. Os que vivem sem esperança. As mães que vêm morrer os filhos à míngua. Os que nunca tiveram férias ou descanso. Os vendidos como escravos ou que assim parecem. Os arrancados às famílias por razões diversas,sendo uma delas a guerra.Os perseguidos pelas suas ideias. Cordeiros obrigados a acompanhar lobos. Os maltratados ou incompreendidos,por terem o coração ao pé da boca.
Os ou as...
E pronto doutor,isto na esperança de ter aqui chegado. É que pode ter perdido a paciência e ter mandado a selva pentear macacos,coitados deles,que não tiveram a culpa de ter saído assim. De resto,como todos,como tudo,sem uma única excepção. Nem prego,nem estopa ninguém os usou. Saíram assim,como podiam ter saído de outra maneira.
Um quase colega seu,o biólogo americano Craig Venter anunciou que vai apresentar ao mundo uma bactéria(?),criada pela sua equipa.Criada? Naturalmente que será um grande feito,mas os tejolos já existiam. Arrumá-los-á de outra maneira. Já Lavoisier(parece estar a querer ensinar o pai nosso a quem o sabe de cor)dizia. Na Natureza nada se perde....
Ai pobres humanos.Mudando de assunto,ou talvez não,que tudo é quase o mesmo,oh doutor o que vai por aí. Quem diria que o Estado-Providência,que muitos diziam estar morto,ou queriam-no morto,desse um ar da sua muita graça? E ainda bem,que o Mercado estava a ver a vida a andar para trás.
Para acabar,um grande salto. A ETERNA BELEZA DAS COISAS,que trazia Teilhard de Chardin extasiado e com razão. Ter consciência de que se faz parte,por pequenina que seja,dessa BELEZA,é uma grande sorte doutor,mesmo que tudo pareça muito feio. Pareça,mas não é. O que para aí vai,para além desta nossa bolinha. A NASA e a ESA o mostram. Galáxias,Estrelas,Constelações,Nebulosas,Buracos Negros,um nunca mais acabar.Pobres de nós,um punhado de electrões,de protões,de neutrões,e mais ões,aranjados em forma de homens e mulheres,com o SOPRO DE DEUS como arquitecto.
Agora é que é,doutor,o fim. Muita saúde e,claro,defenda como puder a SOLIDARIEDADE,lá nesse areópago de médicos escritores.

cvr disse...

Muito obrigado pelo seu comentário e pelo belíssimo texto, que mais do que um texto é uma fotografia exacta deste nosso mundo. O problema em lê-lo não está na extensão, mas em acabar tão depressa... Um abraço do CVR