terça-feira, setembro 14, 2010

adeus ângelo



Só agora soube que morreste, uma coisa quase improvável em ti. Quem passou pelo Porto e por Coimbra, quem depois conviveu contigo anos e anos em Lisboa, ficou sempre com a ideia que os dias não passavam por ti e o calendário se esquecia de te marcar a passagem inexorável do tempo, como faz com todos nós, aqueles de quem ninguém duvida que um dia desaparecerão. Mas contigo não era assim. Cada encontro te mostravas igual, talvez melhor. Sempre com o teu sorriso, sempre com a piada pronta, a observação certeira, o chiste rápido, e sempre o inseparável papel no bolso, que retiravas e nos mostravas, dando-nos algo de ti - um poema, uma crítica feroz, um baú de humor.
Só agora soube que no passado dia 30 de Julho tinhas resolvido deixar-nos e decidiras levar para o além o teu espírito inquieto, a tua juventude de 90 anos e a ideia que só a ti lembraria de pores os anjos a cantar o fado de Coimbra, não só os muitos que escreveste e musicaste, mas o de todos aqueles que o trouxeram até hoje.
Partiste sem me avisar e em falta comigo, se bem te lembras. Pedi-te uma informação e nunca me telefonaste a dar-ma. Quando depois disso te encontrei, perguntei-te porque nada me disseras. A resposta veio pronta - tens razão, Carlos, nem sei como me esqueci, logo agora que eu me lembro todos os dias que me esqueço de tudo!! Sempre tu.
O vídeo seguinte mostra algumas cenas do filme Capas Negras em que se pode ouvir o primeiro fado da autoria de Ângelo Araújo - Feiticeira.



Da Biografia escrita por José Niza publico algumas notas sobre ti, que não respeitam à nossa amizade, mas à tua circunstância. Aqui ficam para quem não saiba nada de ti.

«Ângelo Vieira de Araújo nasceu em S. João da Madeira, a 1 de Janeiro de 1920. Completou o curso dos liceus no Porto e, em 1936, matriculou-se na Faculdade de Medicina desta cidade. Nos seus tempos de caloiro foi membro da Tuna Universitária do Porto, como solista de banjolim; foi também 2.° tenor do Orfeon Universitário do Porto.
Em 1937 transferiu-se para Coimbra, onde se licenciou em Medicina (1947), depois de ter cumprido o serviço militar. Foi membro da Real República do Kalifado.
Nos seus tempos de Coimbra foi 1.º violino da Tuna Académica e músico da sua Orquestra Havaiana. Pertenceu ainda ao Fado Académico e integrou o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, fundado em 1938), organismo cuja fundação se deve à iniciativa de Jorge Moraes (Xabregas), guitarrista que marcou a geração de 1940.
Ângelo de Araújo, para além de poeta e compositor, tocava também diversos instrumentos (violino, banjolim, guitarra e viola).
Mas foi sobretudo como compositor e poeta que se notabilizou, sendo autor de cerca de duas dezenas de fados e baladas, dos quais se destacam a célebre Feiticeira, o primeiro que compôs. Esta canção foi estreada e divulgada por Manuel Julião, cantor dos anos 40 e, posteriormente, interpretada por Alberto Ribeiro, no filme Capas Negras, em que este cantor contracenou com Amália Rodrigues. Neste filme há outra canção de Ângelo de Araújo, interpretada pelo tenor Domingues Marques.
Outros fados, como Suspiros que Nascem na Alma, Contos Velhinhos, Minha Capa já Velhinha, Carta (Soneto), Balada do Crepúsculo, Coimbra dos Meus Encantos, Santa Clara, Amor e mais Nada e Maria se Fores ao Baile, têm também a marca da sua criatividade».

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