sábado, novembro 12, 2005

raízes

E a certa altura perdem-se as raízes, que é coisa muito diferente de cortá-las. Entre as duas vai a distância da vontade e da decisão.
Há ainda uma fase intermédia entre o perdê-las e o cortá-las, apenas nos casos em que isso suceda e que são fases sucessivas de um processo que, à partida, foi voluntário.
Estou na fase de as perder e ainda a alguma distância de as cortar. Por isso, são meus dias amargurados, vazios e sem sentido. Acresce e multiplica esta dor, este vácuo afectivo e de sensações, a ausência da pessoa amada. Ah, se tu aqui estivesses, como seria diferente… Mesmo que neste momento Gémeos e Capricórnio faiscassem, mesmo que os mares de rosas que temos fossem encapelados mares, mesmo assim, se tu aqui estivesses, como seria diferente…
Pegados a uma comum raiz da árvore que plantámos e cuidámos, nem sempre da melhor maneira, continuaríamos a sentir correr a seiva da nossa ligação comum, inundando todas as células nossas e tornando-nos habitantes de qualquer lugar do mundo onde nos encontremos.
Agora estar assim, só, como eu estou, aguardando um Godot que não sei o que é, nem quem é, tentando justificar cada segundo das horas que antecedem minhas escassas obrigações, sem lugar para onde ir, sem porto de abrigo que me espere, sem casa onde deseje estar ou me sinta bem, é qualquer coisa de terrível desconforto, de arrepiante sensação de vazio, de inexistência, um sem razão de existir, um desconfortante estar a mais aqui e em qualquer lugar.
Já estive para me meter no carro e aparecer-te aí de surpresa. A alegria que teríamos, por certo justificaria as novas tristezas de partir amanhã e novamente depois. Mas, não o fiz propositadamente. Não porque goste de sofrer, não porque duvide da alegria que teríamos com a minha inesperada chegada, mas apenas porque há coisas que preciso realmente de fazer e que, não as fazer agora, seria adiá-las e assim adiar esta dor, este estado de desconforto por mais vezes ainda.
Vou agora ao cinema. Mas vou por ir. Como se me atirasse ao rio sem saber nadar. Vou ao cinema para esquecer o que sinto. Tentar entrar na história que me contarão e verificar depois que apenas ganhei cento e vinte minutos neste desconfortante dia.
Está na hora. Tenho de ir.

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