quinta-feira, julho 27, 2006

e, se eu vos contasse? – 16.º programa – o hospital da estrela ou estrelinha

O Hospital da Estrela ou da Estrelinha, como também lhe chamavam, antes de se instalar no edifício onde ainda hoje se encontra, esteve sediado em vários locais de que não vos vou falar, pois para isso não chegariam dois programas. Resolvi, contudo, contar-vos antes a história do Hospital de São Bento da Saúde ou São Bento o Novo, porque este, de uma forma indirecta, se prende ao hospital da Estrela e eu já vos explico como. Este convento iniciou a sua construção em 1598 e só veio a ser terminada em 1615, para instalar parte dos frades beneditinos que viviam até aí no Convento Beneditino da Estrela, da Estrelinha, ou São Bento o Velho, e de onde precisavam de sair, por este passar a servir apenas para o noviciado. Por isso, os frades beneditinos mandaram construir este novo convento na Quinta da Saúde ou da Bem Ganhada, ou melhor dizendo, o construíram eles próprios, pois era obrigação desta ordem que os seus frades dedicassem sete horas por dia ao trabalho braçal e duas horas ao estudo. O tempo restante era para as missas, as orações, a alimentação e a dormida. No mês de Maio do ano de 1808, vários engenheiros e médicos militares visitaram o Convento de São Bento da Saúde, com vista a instalarem nele um hospital militar. Quando foram visitados pelos engenheiros e médicos militares, os frades não gostaram da graça e consideraram isso um abuso, uma vez que já tinham cedido parte do convento da Estrela. E diziam eles que, uma vez ainda vá, agora duas ...! Requereram, por isso, a Junot, no sentido de não serem ocupados e pediram a protecção do Conde da Ega. Como o convento não foi ocupados nessa altura, concluíram que isso se ficara a dever à à protecção do dito conde da Ega, facto que este não só nunca negou como logo aproveitou para pedir emprestadas 40 moedas de ouro ao Prior. Este deve ter-se arrependido mil vezes de as ter emprestado, pois logo no dia 22 de Agosto desse mesmo ano, o Intendente Geral da Polícia Francesa expediu um Aviso em que obrigava os frades a franquearem o convento, para ali se instalar um hospital, para receber os soldados franceses feridos na batalha do Vimeiro, que chegaram logo nos dias 23 e 24 de Agosto e passavam de setecentos. Depois disso, o convento serviu para instalar outros hospitais, nomeadamente o dos soldados ingleses, único que tinha a especial característica de dispor de enfermeiras inglesas, e que se supõe serem familiares das tropas estacionadas em Portugal. E, no que respeita à saúde acabou por ser Depósito de Convalescentes, o chamado Hospital dos Soldados Portugueses Convalescentes. Depois disso, este convento serviu para instalar as Cortes, em 1834, depois a Câmara dos Pares e dos Deputados, a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e hoje a Assembleia da República. O Convento em que actualmente está instalado o Hospital da Estrela, foi construído pelos frades da Ordem de São Bento de Tibães, em 1572 ou 73 e é considerado pelos historiadores, o primeiro convento beneditino de Lisboa. Foi construído na chamada Quinta de Campolide, que pertencia ao Governador da Guiné, Luís Henriques que, por desmandos vários, seus e do seu genro Duarte Peixoto da Silva, a hipotecara a um negociante do Algarve, António Nunes, a quem estava devedor de uma grande soma de dinheiro e com quem andava em litígio. Teria sido o Cardeal D. Henrique a resolver o diferendo, mandando pagar a dívida e dando ainda uma indemnização ao capitalista algarvio, para que os frades construíssem ali o seu convento. Esta é uma versão, apenas uma versão, como sucede muitas vezes nestas coisas da História. Há quem diga que o que verdadeiramente se passou, foi que os frades beneditinos tinham ocupado a quinta do Governador da Guiné, sem permissão, e que quando este regressou e verificou tal facto, ficou furioso e explodindo de raiva. Mas quando viu a igreja que os frades tinham arranjado, a sua beleza e religiosidade, terá acalmado, felicitado os frades e deixando-os ficar. Tenha sido assim ou assado, há uma coisa em que a História concorda – é sabido que Luís Henriques ficou viúvo e logo de seguida se fez frade naquele convento e naquela Ordem. Quando morreu, os frades fizeram uma lápide em que escreveram «aqui jaz Paulo Henriques(ou Luís?), religioso de São Bento, o qual fez estas casas antes de monge, que depois foi neste mosteiro. Faleceu a 9 de Junho de 1575».
Há uma história que eu gostava de vos contar e que se prende com a razão do convento se situar aqui. História ou lenda, quem saberá? Diz-se, e vamos ficar por esta forma, que Frei Plácido de Vila Lobos, juntamente com Frei Pedro Chaves, teria vindo a Lisboa ver o que se passava com os frades da sua ordem, porque constava que algo de anormal se passava. Terá concluído que se tornava necessário encontrar instalações condignas e que seria útil para os frades trabalharem na construção do seu convento, pelo que se pôs à procura de um local que fosse indicado para o convento. E um dia, após o sermão que acabara de fazer na igreja do convento das Religiosas na Esperança, quando descia as escadas do púlpito, apareceu-lhe ao fundo delas, um homem idoso e de ar nobre, todo vestido de preto, que lhe terá dito que sabendo que ele procurava um local indicado para construir o convento dos beneditinos, ele sabia desse local ideal para o construir e estava disposto a mostrar-lho. E, logo de seguida, o terá levado à chamada Quinta de Campolide, que Frei Plácido Vila Lobos adorou. E quando se virou para lhe agradecer e manifestar o seu interesse naquele local, o homem tinha desaparecido, como por encanto, o que terá levado Frei Plácido a pensar que tinha sido o seu Santo Patriarca que, daquela forma, o viera ajudar.
Por Aviso de 21 de Novembro de 1817, da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, foi decidida a ocupação e utilização de parte deste Convento, então com o nome de Colégio de Nossa Senhora da Estrela, desde que passara a ser exclusivo do noviciado, para ali se instalar a Repartição dos Hospitais Militares, ou 6ª. Repartição e no ano seguinte a Botica Geral do Exército, tendo esta ocupado o refeitório e servindo-lhe de armazéns, os corredores superior e inferior que correm ao lado da Igreja, do lado da porta do Evangelho.
No ano de 1834, foi transferido para este Convento, o Hospital Real Militar da Corte, que até então funcionara nas Janelas Verdes (Hospital de São João de Deus e que entretanto tomara a designação de Hospital Militar de Lisboa) e posteriormente em Xabregas.
Só em 1851, por Decreto de 6 de Outubro, se pode considerar como definitiva a sua instalação. Um Decreto de 2 de Dezembro desse mesmo ano, dá-lhe o nome de Hospital Militar Permanente de Lisboa. Já no século XX, passou a chamar-se Hospital Militar Principal, nome que ainda mantém.

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