terça-feira, agosto 01, 2006

e, se eu vos contasse? – 17.º programa – o hospital de Rilhafoles

O tratamento dos doentes mentais, dos alienados, dos loucos ou dos malucos ou maluquinhos como outros lhe chamam, pensando que o estão a fazer de forma mais suave, foi ao longo dos tempos altamente criticável e feito das formas mais abjectas e desumanas que imaginar se pode. Em geral e porque algumas destas doenças têm fases ou manifestações de agressividade, a tendência mais comum e mais evidente era a exclusão destes doentes do resto da sociedade em casas isoladas e em espaços confinados, chegando mesmo a ser o mais corrente o encarceramento em diminutas celas, com condições sub humanas de vida. E muitas vezes para que o quadro ficasse completo, acrescentando-lhe violentos castigos corporais, supostamente terapêuticos, talvez dos agressores, direi eu. Durante séculos e séculos os doentes mentais não eram realmente tratados, mas antes maltratados. Coube a um português devasso e depois santo, São João de Deus, tentar modificar este panorama e passar a dar respeito e humanidade a estes doentes, começando por lhes arranjar instalações dignas e não degradantes. É evidente que no que respeitava ao tratamento nada conseguiu alterar, mas o que fez foi o suficiente para que nós, hoje, a esta distância de séculos, o recordemos e possamos dizer dele que foi um precursor na forma de olhar a demência ou a loucura e sobretudo na forma de com ela lidar. Mas, hoje o que vos quero contar é a história do primeiro hospital psiquiátrico português, fundado em 1848, por iniciativa do Duque de Saldanha, então primeiro ministro. Foi instalado num antigo Convento que se erguia numa das colinas de Lisboa, junto ao Campo de Santana, numa zona conhecida como Rilhafoles porque ali existiu uma grande quinta chamada de Rilha Folles nome que acabou por ser associado ao hospital que, durante muito tempo, foi conhecido como o Hospital de Rilhafoles e, só algum tempo passado, começou a ser conhecido pelo nome que ainda hoje mantém de Hospital Miguel Bombarda.O Convento de Rilhafoles, também conhecido por Hospital de Rilhafoles, foi o Convento de São Francisco de Paula, em Rilhafoles, da Congregação do Oratório de São Filipe Nery, fundado em 1717. Os oratorianos dedicavam-se à pregação e à educação católica, sendo comum o internamento compulsivo no convento, por períodos por vezes alargados, para reeducação, de jovens condenados pelo Santo Ofício por heterodoxia religiosa ou por ofensas menores à moral e aos bons costumes. Após a extinção das ordens religiosas em Portugal, o edifício do ex-convento de Rilhafoles albergou, a partir de 1 de Setembro de 1835, o Real Colégio Militar, hoje Colégio Militar, instituição que ocupou as instalações até que, por decreto de 14 de Novembro de 1848, referendado pelo duque de Saldanha e barão de Franco, foi transferido para o edifício do Convento de Mafra, por ocasião das reformas legislativas do ensino e do exército realizadas na época. Para esse edifício foram então transferidos os «loucos» que estavam no Hospital de São José, em péssimas condições e degradante tratamento humano. Três anos depois, em 1851, e apesar de o edifício do Convento ser grande, tornou-se necessário proceder à construção de um novo edifício exclusivamente destinado a balneário e que viria a ser inaugurado em 1853 pela rainha D. Maria II, no dia de aniversário do Príncipe consorte D. Fernando, 29 de Outubro. O que justificava a sua construção, segundo os médicos daquele hospital que em 1851 tinham solicitado o Plano da Casa dos Banhos, era não só a necessidade de balneário para a higiene dos doentes, mas, fundamentalmente, para a concretização de uma nova técnica terapêutica psiquiátrica que assentava no princípio que os banhos beneficiavam a cura desses doentes. E consoante o tipo de doença assim era a indicação do tipo de banho, pelo que havia a hipótese de banhos de tina ou de imersão como hoje dizemos, de irrigação, de chuva, de duches ascendentes ou laterais, de vapor ou fumigações de várias espécies. O estudo prévio para a construção desse edifício, em 1851, o chamado Plano da Casa dos Banhos, já previa a construção da casa das caldeiras, anexa e que através de tubagens levava a água aquecida para o balneário. A água aquecida e o vapor produzido nestas caldeiras e caldeirões era também aproveitado para o serviço da cozinha que ficava próxima. O balneário, como se pode ver, tem uma forma em U, abraçando com os seus três braços um páteo de forma rectangular para onde abrem os dezassete gabinetes. Entre estes e o páteo uma galeria a que podemos chamar loggia sustentada por quinze arcos de volta completa. As paredes são revestidas a azulejos azuis e brancos que dão esta imagem de beleza muito portuguesa que se pode apreciar. O páteo é fechado com um gradeamento de ferro fundido. O corpo central deste U, correspondia, pensa-se, aos banhos ascendentes laterais e de irrigação e possuía e possui uma piscina central de pequena dimensão e à sua volta as tinas de mármore, talvez das fumigações, e duas cabines tipo guarita, cilíndricas verticais, todas em mármore e com depósito de água no topo e tubagens concêntricas em cobre. Na retaguarda do balneário situam-se dois pequenos jardins, murados e de formato triangular. Num deles, o maior, existe uma escada com arco que dá acesso a um terraço onde se encontram depósitos de água e o acesso à caixa do telhado onde ainda existem várias canalizações com ligação ao sector das caldeiras. Na empena direita do edifício existe uma fonte de três bicas, muito curiosa. Este magnífico conjunto de balneoterapia foi em Julho de 1999 proposto para classificação patrimonial ao Instituto do Património, por iniciativa da direcção deste hospital e acompanhado de uma Memória Descritiva elaborada pelo Dr. Vitor Albuquerque Freire. Em 1892, foi nomeado director do hospital o Professor Miguel Bombarda que já nessa altura era uma figura reputada de psiquiatra e político. Porque o número de doentes tinha crescido muito e ultrapassava já muito a dotação de 300 doentes para que fora criado e que então era já de meio milhar, entendeu Miguel Bombarda que era necessário construir novos edifícios para internamento dos doentes excedentes e um pavilhão especial para os chamados alienados criminosos ou perigosos, o chamado pavilhão de segurança, mais tarde chamado de oitava enfermaria. Miguel Bombarda mandou fazer, para além destes edifícios, percursos pedonais entre os jardins, rapidamente baptizados de «passeios dos alegres». O pavilhão de segurança começou a funcionar em 1896 e pretendia dar cumprimento a uma Lei de 1889 que mandava que os alienados criminosos fossem internados e tratados em enfermarias anexas às penitenciárias e nas que lhes fossem reservadas no hospital de Rilhafoles. Miguel Bombarda deu nova interpretação a esta Lei e entendeu que o Pavilhão de Segurança não seria apenas para os alienados criminosos, mas também para aqueles que se mostrassem perigosos ou com uma maior tendência para a fuga, obrigando a maiores cautelas na sua guarda. Para ele os alienados perigosos num hospital são doentes como os outros e por outro lado, doentes há que não sendo criminosos são ainda mais perigosos que esses. Este Pavilhão, como podem ver, dispunha-se de uma forma circular, dentro do conceito arquitectónico da época, o chamado sistema panóptico, de que era grande defensor o arquitecto Jeremy Bentham e muito usado nas novas cadeias em que as celas se desenvolviam em círculo, com dois pisos e à volta de um páteo coberto. Este sistema permitia uma vigilância constante e fácil de todos os presos, uma vez que as celas tinham portas de grades e deixavam ver o que se passava no seu interior. Mas, Miguel Bombarda e quem fez o desenho da obra, sabiam bem que aquilo não era uma cadeia, mas sim um hospital. Por isso o pavilhão de segurança tem a forma circular, mas não se encerra sobre si próprio, mas antes se abre para um jardim, por onde os doentes circulam quando se deslocam ao refeitório ou sanitários. Também não tem portas de grades, mas portas de madeira, defendendo a privacidade dos doentes. Reparem nestes bancos corridos entre as portas dos quartos, cuidadosamente boleados, para não terem arestas vivas que podiam ser perigosas em doentes muitas vezes agitados, do mesmo modo que a transição das paredes para as portas era também arredondada. As portas possuem um óculo para vigilância.

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