segunda-feira, agosto 15, 2011

mentalmente gordos



Na década de 60 e mesmo na de 70, usei muito no meu vocabulário a expressão «mentalmente gordo», quando me referia a certas pessoas pelas quais não nutria qualquer afecto e nenhuma consideração intelectual. Não sei, de todo, como me surgiu tal formulação crítica, mas sei, seguramente que a não fui beber a qualquer fonte escrita ou ouvida a que tenha tido acesso. Sei, portanto, que foi uma criação minha. Já em 2010 tomei conhecimento por um mail que recebi que João César das Neves (por quem tenho respeito intelectual, mas com quem concordo raramente) tinha publicado no Diário de Noticias de 22/03/2004, uma crónica intitulada »Obesidade Mental». Li esse texto e concordei. Pensei, nessa altura, reproduzi-lo neste meu blog mas, feita pesquisa acerca do autor do livro referido encontrei muita controvérsia e pouca clareza, não ficando segura para mim a existência de tal livro. O tempo também não me permitiu ampliar a procura e, passado pouco tempo, não me lembrei mais do caso.
Quis o acaso que há poucos dias me tivesse vindo parar à minha caixa de correio electrónico, nova transcrição do citado artigo e, desta vez, resolvi reproduzi-lo, não porque concorde com tudo (estou longe de apoiar a crítica às classes visadas, globalmente), mas por me parecer merecer a leitura de quem o venha encontrar aqui e possa serenamente pensar sobre a matéria e tecer a merecida crítica.. E, evidentemente, porque fez renascer em mim aquela frase categorial que tanto usei, naturalmente, sem a ter ido buscar a alguém.

«O prof. Andrew Oitke, catedrático de Antropologia em Harvard, publicou em 2001 o seu polémico livro “Mental Obesity”, que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.
Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física decorrente de uma alimentação desregrada. É hora de reflectir sobre os nossos abusos no campo da informação e do conhecimento, que parecem estar dando origem a problemas tão ou mais sérios do que a barriga proeminente. "
Segundo o autor, "a nossa sociedade está mais sobrecarregada de preconceitos do que de proteínas; e mais intoxicada de lugares-comuns do que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, em juízos apressados, em ensinamentos tacanhos e em condenações precipitadas.Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. "
"Os 'cozinheiros' desta magna “fast food” intelectual são os jornalistas, os articulistas, os editorialistas, os romancistas, os falsos filósofos, os autores de telenovelas e mais uma infinidade de outros chamados 'profissionais da informação'".
"Os telejornais e telenovelas estão se transformando nos hamburgers do espírito. As revistas de variedades e os livros de venda fácil são os “donuts” da imaginação. Os filmes se transformaram na pizza da sensatez."
"O problema central está na família e na escola. " "Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se abusarem dos doces e chocolates. Não se entende, então, como aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, por videojogos que se aperfeiçoam em estimular a violência e por telenovelas que exploram, desmesuradamente, a sexualidade, estimulando, cada vez com maior ênfase, a desagregação familiar, o homossexualismo, a permissividade e, não raro, a promiscuidade.
Com uma 'alimentação intelectual' tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é possível supor que esses jovens jamais conseguirão viver uma vida saudável e regular".
Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado "Os abutres", afirma: "O jornalista alimenta-se, hoje, quase que exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, e de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular."
O texto descreve como os "jornalistas e comunicadores em geral se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante".
"Só a parte morta e apodrecida ou distorcida da realidade é que chega aos jornais."
"O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para quê ela serve. Todos acham mais cómodo acreditar que Saddam é o mau e Mandella é o bom, mas ninguém se preocupa em questionar o que lhes é empurrado goela abaixo como "informação".
Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um “cateto.”
Prossegue o autor: "Não admira que, no meio da prosperidade e da abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência.
A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se e o folclore virou "mico". A arte é fútil, paradoxal ou doentia.
Floresce, entretanto, a pornografia, o cabotinismo (aquele que se elogia), a imitação, a sensaboria (sem sabor) e o egoísmo.
Não se trata nem de uma era em decadência, nem de uma 'idade das trevas' e nem do fim da civilização, como tantos apregoam. " "Trata- se, na realidade, de uma questão de obesidade que vem sendo induzida, subtilmente, no espírito e na mente humana. O homem moderno está adiposo no raciocínio, nos gostos e nos sentimentos.
O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos.
Precisa sobretudo de dieta mental.»

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