A aceleração do tempo, a vertigem do fim, é uma triste realidade, sobretudo para quem sabe que, mais dia menos dia, se sente directamente envolvido por essa voragem.Vistas as coisas deste ângulo, visão de quem assim se sente, cada vez mais se mostra verdade que o mundo está perigoso.Mal chegado ainda de mais uma viagem que há muito tempo pensava fazer, e que muito me agradou (pela primeira vez, senti que poderia ter prolongado o máximo número de dias que sempre me impus para um desejado regresso a casa, os 15 dias quase míticos de todas as viagens), eis que mais alguns personagens marcantes do século XX nos deixaram, senhores de idades provectas, de vidas cheias, cada um de sua maneira, anunciando, sem o fazerem, que mais alguns se preparam, sem se darem conta, para nos deixarem também.Imagino que aqueles que, em idade, se encontram mais perto de todos estes que vão partindo, façam a sua contabilidade diária e sintam pesadamente sobre as suas cabeças e vidas, a espada fantasma do acerto de contas.Não é o meu caso que ainda me sinto jovem, activo, pronto e apto para o trabalho, nunca voltando as costas a nada que me ocupe, mas que, cada vez mais, sinto que o tempo foge ou não tem a mesma duração que tinha.De facto, quando se pensa na vida, em ontem e em hoje, tudo nos parece diferente. O estar e o ser. Os valores e os princípios. As medidas de tempo e o uso que dele fazemos.Um observador imparcial, dirá que cientificamente o tempo é o mesmo (mesmo sabendo que o dia do tsunami, não teve exactamente a mesma duração dos outros); e dirá que a maneira de o usar ou ocupar é que é diferente, sobretudo se considerarmos o ritmo de trabalho do idoso que, mesmo que se considere jovem, é outro e totalmente diferente, com tempos de resposta alargados, causando a impressão de que o tempo é diferente.O observador pessoal, por isso parcial, dirá que não é assim e que o tempo de resposta é o mesmo, se não mais rápido ainda.E dirá que o tempo de higiene pessoal sempre foi lento e não é maior agora. O tempo de alimentação, igual será. O tempo de lazer, anda ele, por ele. O tempo de sono, ainda é menor.Então, se assim é, por onde e quando se escapa o tempo? Aquele que não vivo, não contabilizo, não produzo. Aquele que me foge, que desaparece, que tenho a certeza que não existiu?Para onde se escapa o tempo que me foge, que me impede de fazer as mil e uma coisas que antes fazia, com uma perna às costas, saltando de um lado para outro, de hospital em hospital, da consulta para a sala de operações, de uma urgência para outra?Que vinte e quatro horas eram aquelas que me permitiam tantas e tão variadas coisas, tantas e tão variadas ocupações? Iguais às de hoje, dizem. Tão diferentes, direi.Que pensariam disto aqueles que de forma cada vez mais acelerada nos vão deixando?Tenho assistido a espectáculos de dor, a ódios esquecidos, a justeza de opiniões, a homenagens sentidas. Temos assistido também a algumas amargas palavras, poucas, daqueles que insistem em ver a história apenas pelos seus olhos e a serem incapazes de uma análise séria e distanciada. Sabedores que somos, todos nós, da ignorância em que a maioria de nós vive, em relação à verdadeira história recente, mais nos admira e nos constrange que, alguns, pareçam sentir-se privilegiados, sem o serem, e emitam juízos definitivos, como se a História pudesse ser olhada e analisada assim.Mas, hoje eu queria apenas falar da morte do poeta que agora nos deixou, pouco tempo passado sobre o desaparecimento da grande e enormíssima poetisa que foi e continua a ser, Sophia de Mello Breyner.
Hoje, queria apenas falar-vos do desaparecimento físico desse grande artesão da palavra que foi e continuará sendo, Eugénio de Andrade, nascido como eu num dia 19 de Janeiro, capricornianos por dentro e por fora, indesligáveis de tal destino.Queria deixar-vos com palavras escritas por ele, nos seus últimos momentos de ser vivente, por inteiro, numa altura em que já seria natural não ter esperança e que, mesmo assim, a quer deixar como testemunho e fé:«Eis o que tenho a pedir-vos nos meus oitenta anos: plantem nesse lugar um plátano, onde o vento enroladinho no sono possa dormir sem sobressaltos; ou uma oliveira, ou um chorão, e à sua roda ponham uma sebe da flor doce e musical de espinheiro branco. Embora tenha pouca ou nenhuma fé seja no que for, a terra ficará mais habitável. Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo».E depois de tudo aquilo que atrás escrevi, sinto, cada vez mais necessário, que tenhamos em conta as palavras dos poetas e tentemos fazer delas, regras para a nossa vida e para a recuperação de tudo aquilo que, ao longo dos tempos, temos vindo a perder. Acompanharam o poeta ao Cemitério do Prado do Repouso, escassas três centenas de pessoas, mas não tenho qualquer espécie de dúvida que em todo o mundo, em todos os lugares onde a sua palavra chegou, várias lágrimas correram, várias pessoas disseram – obrigado, poeta. Descansa em paz.
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
(Eugénio de Andrade)
CVR
www.darcordaoneuronio.blogspot.com
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