A medicina da Mesopotâmia é talvez a mais antiga daquelas que hoje se conhecem; foi claramente dominada por conceitos essencialmente mágicos, podendo, na prática, dizer-se que é fundamentalmente sacerdotal.
Os povos daquela região e daquele tempo dedicavam-se à astronomia, estudando as relações entre os movimentos dos astros e as estações e entre estas e algumas doenças.
Era um povo quase exclusivamente dedicado à pastorícia e à agricultura, com os campos de cultura bem próximos dos rios que, de quando em quando, inundavam os campos e os fecundavam. O sol aparecia como o grande responsável da fecundidade das terras e origem de todas as formas de vida e as relações íntimas entre homem, plantas e animais, chegando ao mito das metamorfoses e da ressurreição do indivíduo, da mesma maneira do que sucedia com a natureza. É desta região e deste tempo, que temos os primeiros registos escritos sobre medicina e doença, nas várias tábuas de argila, em escrita cuneiforme, existentes em vários locais e particularmente no Museu Britânico, onde se podem ler as influências dos astros determinando o nascimento e o destino do homem.
O primeiro povo da Mesopotâmia foi o sumério, desde o 4º ou 5º milénio até ao ano 2500 AC, altura em que foram suplantados pelos assírios e os babilónios. Estes usavam uma escrita ideográfica, reproduzindo várias partes do corpo, em tábuas de argila.
O fígado era o órgão mais importante, porque era nele que se recolhia todo o sangue, portador de toda a função vital. A sua importância era tal que existe no Museu Britânico um modelo de fígado, em gesso, que servia para explicar a medicina naquele tempo aos assírios e babilónios. A própria Bíblia lhe faz referência, em Ezequiel XXI, 26 : «o rei da Babilónia fechou-se para consultar os oráculos. Ele sacode as flechas, interroga os instrumentos do oráculo e observou o fígado». Os órgãos eram extraídos dos cadáveres e introduzidos nos chamados vasos canopos, onde num deles Amset guarda o fígado, num outro Tuamutef guarda o estômago, noutro ainda Hapi guarda os pulmões e num outro Qebsenuf guarda os intestinos.
O órgão central da vontade era o ouvido, porque era ele que recebia as ordens e determinava a sua actuação. Também os sonhos derivavam dos humores e das condições do sangue. Há mais de 40 tábuas encontradas que tratam da explicação dos sonhos, milhares de anos antes de Sigmund Freud chamar para eles a atenção.
Os sumérios foram conquistados pelos assírios e os babilónios, por volta do ano 2000 AC. Babilónia foi o centro de um culto religioso que assentava o máximo poder no céu, terra e água e em outros 12 deuses menores. Os babilónios conheciam a periodicidade dos eclipses, os meteoros, a divisão do círculo, as indicações e os nomes das figuras do zodíaco, a divisão dos meses e da semana e o valor da relação entre o ouro e a prata, calculado em relação ao sol e à lua.
O deus médico mais antigo na babilónia foi SIN, deus da Lua, que fazia crescer as plantas medicinais, pelo que estas não deviam ser expostas ao sol. Outros deuses médicos eram NINAZU, o senhor dos médicos e o seu filho NINGISCHZIDE, que usava como atributos o bastão e a serpente, ainda hoje ligados à medicina e aos médicos. A serpente SACHAN era venerada como símbolo e deus curativo.
Na Assíria e na Babilónia o exercício da medicina era confiado a uma casta de profissionais. Existem ainda hoje selos de vários médicos desse tempo, com que autenticavam as suas receitas, o mesmo que hoje fazemos com as vinhetas autocolantes. Conhecem-se os nomes de vários destes médicos, muito afamados na época e que chegavam a ser chamados ao Egipto para tratar gente importante.
Dos textos médicos existentes pode concluir-se que os povos assírio e babilónio já não eram completamente empíricos, nem mágicos. Há descrições correctas de várias doenças e dos seus sintomas.Por exemplo, acerca da tuberculose pulmonar, dizem esses textos que a sintomatologia era: «tosse frequente, expectoração espessa, algumas vezes com sangue, a respiração tem um som aflautado, a pele está fria mas os pés estão quentes, transpira muito e o coração está inquieto e quando a doença é muito grave, o intestino abre-se frequentemente....».
Do ano 1900 AC data uma das peças encontradas e agora conservada no Museu do Louvre e que é uma espécie de jóia da coroa destas descobertas. Trata-se do chamado Código de Hammurabi, em que se estabelece pela primeira vez a responsabilidade civil e penal dos médicos e é o primeiro código legal sobre a prática da medicina e que mostra também a diferença que havia entre os médicos e os cirurgiões. Lá se diz, por exemplo: «se um médico trata um doente e o cura receberá 10 moedas de prata. Se o doente for um escravo liberto, receberá 5 moedas e se for um escravo, receberá apenas 2 moedas do seu dono.»
«Se um cirurgião com a sua cureta provocar ferida grave, matar o doente ou lhe destruir um olho, amputar-se-lhe-ão as mãos. Se o doente for um escravo, terá que devolver outro escravo ao dono e se lhe destruir o olho pagará metade do preço».
A existência desta legislação é prova bastante de que o exercício da profissão de médico ou de cirurgião era inteiramente legal e regulamentado.
E hoje ficamos por aqui. Foi um gosto estar convosco.
Até para a semana.
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