quarta-feira, março 22, 2006

pelo menos agridoce

Há já várias crónicas que ando a anunciar que, mais dia menos dia, ainda vou ser capaz de escrever uma crónica de esperança, construtiva e, se não doce, pelo menos agridoce.Quando me sentei diante do TFT de 19 polegadas que me ofereci (porque vão-se os euros mas fiquem os olhos, melhor dizendo, fique a visão), logo esta ideia me veio à cabeça e, de imediato, comecei a martelar as teclas e a ideia; mas, logo reparo que acabado este intróito, vou cair na real, como dizem os brasileiros, e verificar que, dificilmente, poderei levar esta crónica ao fim, se persistir em que ela saia sob o signo da esperança.Porque em boa verdade, esperança de quê? Além do mais hoje é dia 4 de Fevereiro e o dia 20 das eleições ainda está longe. E será que vai haver mesmo lugar à esperança?Eu sei que quando se quer, se pode fazer da desgraça, esperança. E para isso, bastava pensar na última das calamidades mundiais, pensar naquela onda gigante accionada por mão invisível que já contabilizou mais de 200 mil mortos, todos inocentes.Bastava pensar nesse tsumani, neste maremoto melhor dizendo, para ver o que a solidariedade e a esperança conseguem. Às imagens assustadoras daquela devastação, seguiram-se rapidamente as imagens daqueles rostos sofridos de muitos anos, agora mais sofridos ainda por este choque inesperado, que com sorrisos não esboçados, nem de circunstância, mas autênticos, afirmam com segurança que o que é preciso é reconstruir e tocar a vida para a frente. E, se o dizem, melhor o fazem, pois todos juntos, em união, arrancaram logo a caminho da reconstrução, construindo novamente o que se perdeu.E vem logo à ideia que também em Portugal, na segunda metade do século XVIII, houve um homem de vistas largas, embora de sentimentos curtos, que em situação semelhante disse a única coisa que havia a dizer – cuidar dos vivos.E assim se fez e, de tal modo, que ainda hoje se vê. E o que ainda se vê, dá para pensar no que agora se não vê. A vista larga, o planear e construir para o futuro, e não como agora, em que parece que se constrói para ontem, mais do que para hoje ou amanhã. Se o metropolitano tivesse sido decisão dele, seria que ainda andávamos a aumentar as plataformas das antigas estações que agora se mostram desajustadas para as necessidades?Nessa altura houve esperança e a reconstrução fez-se. Mas, houve também determinação e autoridade e respeito.E hoje o que há? Determinação? Autoridade? Respeito? Determinação de quem? Autoridade onde? Respeito de quem e de quê?E mais recentemente, naquela calamidade conduzida por mão bem visível e identificável que é a guerra do Iraque, assistimos a uma outra onda de esperança, talvez cega, talvez perdida, mas que não deixa de ser esperança, de alguns milhões de iraquianos que, apesar da destruição quase total do seu país por lobos disfarçados de cordeiros, apesar das ameaças de morte sentenciadas, foram capazes de se deslocarem às secções de voto e manifestarem a sua vontade e a sua determinação. Com essa atitude, chegaram até a alterar as leis da matemática e das estatísticas, pois em boa verdade aqueles 60 e tal por cento de votantes são mais do que 300 por cento de votantes em condições normais. Aqui se pode ver a força da esperança ou talvez a necessidade imperiosa de a ter.E que teremos nós? Ninguém está ameaçado de morte se votar e assim cumprir esse direito e esse dever. Todos sabemos que é importante, mais do que nunca, manifestar o sentir do povo português e o seu desejo de ter um país que nos encha de orgulho de a ele pertencermos.Mas,Por certo continuará a estar bom tempo e a ONDA espera-nos. Nas praias do norte, do oeste, do sul. Se não para tomar banho, pelo menos para passear, apanhar sol, comer um bom grelhado. Hoje, é dia de eleições, dirão alguns. Que se lixe, está um dia tão bom.E, se chover, a ONDA será outra. Será o «está-se tão bem na cama», «é tão bom ouvir a chuva, aqui entre lençóis», «está mesmo dia de centro comercial» ou ainda «está mesmo dia de ir ao cinema».Alguém tem esperança que não vá ser assim? Pergunto sinceramente – alguém tem esperança que não vá ser assim?E, no dia seguinte, dos dois lados em confronto, se ouvirá o mesmo – se calhar o meu voto fez falta.Mas, já será tarde. Já não haverá lugar para a esperança.Por mim, nem que seja para justificar o título desta crónica, digo-vos francamente – desta vez, tenho esperança que os portugueses acordem.
(Publicado em 2005 e agora renovado com imagens)
CVR

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