sábado, março 04, 2006

Medicina instintiva, empírica e mágica – 2.º programa


A doença existe antes do homem.
Há múltiplos exemplos de fracturas, cáries dentárias, osteomielites e doenças parasitárias em animais da época paleozóica como em dinossáurios e pleriossáurios da época mesozóica.
Não falaremos nos antropóides do período oligocénico ou do homem do pliocénico, nem do Evanthropos Dawsoni, nem do de Heidelberg, nem sequer do homem de Neanderthal. Falarei apenas do Homo Sapiens em diante, ou seja da medicina pré-histórica.

Se entendermos por medicina todas as tentativas de remediar com as nossas próprias forças ou com a ajuda de outros, a dor ou os danos causados por várias causas, teremos obrigatoriamente que pensar na origem instintiva da medicina.
Reparemos nos animais. Para percebermos melhor o que vou dizer. Não é certo que os animais quando têm febre procuram instintivamente locais frescos e, se possível, água fria ou gelada, para se molharem?
Não tratam eles de caçar os parasitas que os atormentam e para isso se coçam com as patas, para os arrancar dos seus pelos ou da pele?
O que fazem os cães quando partem algum osso, quando são atropelados ou caem das alturas? Não se adaptam instintivamente a andar apoiados apenas em 3 patas, de modo a dar descanso ao membro fracturado, para que repouse e se cure depressa?
Exemplos destes são muitos e não valerá a pena insistirmos neles.
É desta medicina instintiva que se parte para a medicina empírica, em que o homem já se questiona e vai procurar uma relação causal, a partir dos efeitos que observa. Era fácil determinar as causas, em todos os casos de manifesta causa externa, como as feridas, as fracturas, os corpos estranhos. O mesmo não sucedia, contudo, com as outras e variadas doenças de causa não visível.
Daí que os homens tenham começado a atribuir essas doenças a seres invisíveis e misteriosos que penetrando no corpo do homem causavam a doença ou por seres que eram visíveis, mas tão distantes como as estrelas e os astros. Nalguns casos procurava-se uma relação entre a fase da lua e o período menstrual ou as febres intermitentes, por exemplo.
Esta concepção leva a que o homem aprenda a conhecer o valor terapêutico das forças naturais, do calor, da luz do sol, da água, das plantas, passando a considerar como seres superiores certas árvores majestosas.

É um fenómeno natural que da medicina empírica se passe para a medicina mágica, que continua no seu fundamento a ser empírica.
Este tipo de posição atribui a forças sobrenaturais a origem de todos os males, de todas as doenças. E, pensando assim, trata de encontrar resposta e defesa para isso.
Como primeiro passo de defesa o homem tenta esconder-se desses perigos sobrenaturais, criando as máscaras, os ritos e ingénuos truques, como mudar o nome do doente para enganar as forças do mal ou chegando ao ponto de trocar o próprio doente, substituindo-o por outro ou por um animal mascarado.
De uma forma natural, aparecem aqueles que aproveitam a situação e se reclamam de poderes para combater as forças do mal. Nascem assim os magos ou os mágicos.
Estes vestem-se de forma faustosa e extravagante, cheios de pinturas e de plumas, adornam-se com amuletos ditos sagrados e encenam o aspecto de seres superiores.
Ao mesmo tempo, os homens pintam o corpo e aparecem as primeiras tatuagens.
Tudo nos parece um grande teatro, mas, na verdade, como o provam estudos científicos sérios, para além desse notório teatro, havia alguma verdade, tomando medidas em tudo parecidas às que a medicina científica viria a adoptar. Atentemos, por exemplo, nos efeitos benéficos da dieta e dos banhos.
Sabe-se que já se usavam nesse tempo poções soporíferas, à base de mandrágora, para efeitos anestésicos. Usavam-se sobretudo nos actos cirúrgicos que se praticavam e que hoje nos espanta a perfeição com que eram feitos.
Como instrumentos cirúrgicos eram usadas pedras afiladas que serviam para extrair corpos estranhos, para fazer sangrias, para drenar abcessos, para cortar tecidos, fazer incisões como hoje dizemos.
Já nesse tempo se faziam trepanações do crâneo. Está provado que no período neolítico já se faziam e existem vários crâneos desse tempo provando essas trepanações.
Eram feitas, segundo se supõe, com o auxílio de pedras de quartzo afiadas e que eram usadas em rápidos movimentos circulares.
A trepanação é provavelmente a mais antiga intervenção cirúrgica, pelo que é profundamente estranho e de lamentar que, ainda hoje, vejamos morrer pessoas por falta desse acto cirúrgico, como foi o caso do ciclista Joaquim Agostinho...
Muitas vezes estas trepanações não tinham efeitos curativos, mas serviam apenas para extrair pequenos pedaços de osso, para fazer amuletos.

Toda a regra tem excepção.
Hoje, o tema era medicina instintiva, empírica e mágica e foi apenas disso que falámos. Não sei se estamos de parabéns, por nos termos mantido na linha. Sucedeu.
Até para a semana.

(continua)

CVR

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