terça-feira, fevereiro 05, 2008

o museu de arte contemporânea de elvas e a colecção antónio cachola

Hoje resolvi dedicar a manhã a visitar o novíssimo Museu de Arte Contemporânea de Elvas.

Estacionado o carro no parque subterrâneo do centro histórico daquela cidade, facilmente localizei o museu que ali me levava. Instalado no edifício do antigo Hospital, apresenta-se este bem recuperado, conservando a beleza da sua traça inicial.

A Colecção António Cachola é constituída por obras de 72 autores portugueses, dispostas em várias e amplas salas de dois pisos, com uma circulação fácil e bem definida, dispondo de sinalética apropriada e apoio permanente de gentis, bonitas e agradáveis funcionárias.

Não vou aqui falar de todas as peças ali expostas, mas apenas de 3 ou 4 que mais me impressionaram, por uma ou outras razões, minhas, que poderão ou não ser coincidentes com as de outros visitantes.

Falar aqui desta Colecção e deste Museu tem por finalidade dar-vos a minha opinião, pese embora não ma terem pedido, e tentar aliciar-vos para uma visita a este novo museu.

Quase logo à entrada encontra-se uma peça interessantíssima da autoria de Miguel Ângelo Rocha, intitulada «Maqueta para Paisagem», de 1997.

Logo a seguir e quase bloqueando a porta que dá acesso à sala seguinte, propositadamente, está uma peça muito representativa do estilo pessoal da artista Joana Vasconcelos, intitulada «Wash and Go», que parte da ideia de aproveitar dois rolos de lavagem automática de carros e transfigurá-los substituindo as escovas por centenas de meias de senhora de várias cores. Não sabia na altura em que a vi que ela me iria compensar da ausência temporária (por se encontrar exposta em Londres) de «A Noiva», da mesma autora, que era a peça que eu mais gostaria de ter visto nesta visita.

Um destaque para uma peça monumental, ocupando a quase totalidade de uma das amplas salas do museu, da autoria de João Pedro Vale, intitulada «A Culpa não é Minha», de 2003, tronco gigante de árvore derrubada, feita em arame e corda.

Um acrílico sem título, de 1999, de Ilda David, brilha numa das paredes de outra sala.

De repente, a um canto de uma das salas maiores, vejo uma porta entreaberta que dá acesso a uma pequena sala, transformada em auditório intimista, onde corre um vídeo de João Onofre que é um dos documentos mais fortes, violentos e vivos que me tem sido dado ver, sobre a indiferença e a solidão humana. Não é possível traduzir em palavras todo o impacto que provoca. Há que ver e ouvir. De qualquer modo, imaginem até o poder ver, um homem alto, elegante, de grande vitalidade, com a cabeça envolvida numa máscara gigantesca e horrível, arrepiante, quase gigantone, e cuja visão não pode passar desapercebida a quem a veja, mesmo de soslaio. Agora, continuem a imaginar e a juntar a essa imagem uns sapatos de sapateado e o som metálico que produzem. Coloquem o homem dentro de autocarro da Carris, saindo no Rossio, caminhando pela rua do Ouro, subindo depois a do Crucifixo, entrando na estação do Metro Baixa-Chiado, descendo as escadas rolantes até à plataforma onde vai esperar a próxima composição do Metro, onde entrará. Imaginem agora a caminhada deste homem, sempre sapateando, algumas vezes dançando, tendo sempre por fundo a música metálica do sapateado e na outra extremidade a cabeça arrepiante já descrita.

Pois é. Uma ou duas mãos chegariam para contar as pessoas que olharam para ele e o viram. À volta dele, caminhando e esperando com ele, um deserto humano, passando por ele, em passo acelerado ou lento, todos mergulhados nos seus pensamentos, preocupações, tragédias, maquinações, alheios a todo o resto. Ninguém verdadeiramente parou, ninguém lhe dirigiu a palavra, ninguém questionou coisa alguma, mesmo aqueles que iam acompanhados.

Impressionante.

O museu dispõe de uma magnífica cafetaria no último piso (o 5.º), com um amplo terraço com vista privilegiada sobre Elvas. Bom atendimento, boa qualidade da oferta e bons preços. Tem também uma loja de vendas.

Um senão que me custa registar, mas já registando (como dizem os brasileiros) – ao longo deste percurso fui perguntando a várias funcionárias quem era o homem que dá nome à Colecção que ali se mostra. António Cachola. Por incrível que pareça nenhuma delas me soube dizer quem ele era, se novo, se velho, o que fazia, onde nascera, … Apenas uma me adiantou, mas com duvidosa certeza, a terra onde vivia!

Como é possível trabalhar numa instituição que tem um nome e não se saber de quem é esse nome? Culpa das funcionárias ou de quem as devia ensinar? Falta de curiosidade, apenas?

São estes apenas que fazem de nós o povo que somos.

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