sexta-feira, março 17, 2006

E, se eu vos contasse? – 7.º programa – A medicina dos árabes


Depois da queda do Império Romano, iniciaram os árabes a conquista de outros povos e a sua expansão pela Europa. E foram observando aquilo que de melhor se fazia nos países que iam ocupando, em todos os sectores e também na medicina. Os califas transformam-se em verdadeiros protectores das escolas que vão encontrando.
O máximo esplendor desta protecção, verifica-se em Córdova, na nossa vizinha Espanha, onde por volta do ano 960 é criada a Academia de Córdova. Espantem-se senhores, como penso que cada um se espantará, quando eu vos disser que a biblioteca desta Academia tinha mais de 300.000 volumes. Também em Sevilha, Toledo e Múrcia surgiram novas Escolas. O ensino da medicina, nessa altura e nessas escolas, é considerado o mais precioso dos ensinos.
Os historiadores dividem-se quanto à importância que os árabes tiveram no desenvolvimento da medicina. Enquanto uns defendem que sem eles, nunca os ensinamentos de Galeno e Hipócrates teriam chegado à Idade Média e muito menos teriam passado para além dela, outros entendem que eles se limitaram a conservar os saberes que até aí se encontravam na posse da Igreja.
Isto faz-nos concluir que talvez se não possa falar de uma medicina árabe, mas apenas da apropriação que os árabes fizeram da melhor medicina de outros povos, sabendo usá-la, guardá-la e transmiti-la.
Mesué e Razes foram dois dos médicos árabes mais conhecidos. Este último, Razes, foi considerado o príncipe dos médicos práticos do seu tempo. Deixou mais de 300 livros escritos, de que três deles atravessaram os tempos e foram sido lidos pelos médicos dos séculos que se seguiram. Por exemplo, o «Livro da peste ou da pestilência», foi editado pela 1ª vez em 1498, em Veneza, séculos depois de ter sido escrito. Todo este livro é original, baseando-se apenas em casos, experiências e observações pessoais.

Razes pode ser considerado um seguidor de Hipócrates e combateu a importância exagerada que alguns atribuíam ao exame da urina ou urinoscopia, baseando nela quase toda a observação.
Razes tratou de saúde pública, medicina preventiva e doenças específicas. Vejamos os 7 princípios em que assentou a prevenção da saúde:
1 – moderação e equilíbrio esteja o corpo em movimento ou em repouso.
2 – moderação a comer e a beber.
3 – eliminação dos excessos.
4 – melhorar e regular os locais.
5 – evitar os excessos nefastos antes que se tornem incontroláveis.
6 – criar harmonia entre a ambição e a resolução.
7 – obrigar-se a adquirir bons hábitos, especialmente praticar exercício físico.

Escreveu uma enciclopédia médica em 22 volumes, intitulada «Kitab Al-Hawi (Continens)», que se transformou na bíblia médica do século X:
Volumes:
1 – doenças da cabeça
2 – doenças dos olhos
3 – doenças das orelhas, nariz e dentes
4 – doenças do pulmão
5 – doenças do esófago e do estômago
6 – vómitos, obesidade e caquexia
7 – doenças do peito, coração, fígado e baço
8 – as úlceras do estômago e do intestino e a disenteria
9 – ginecologia
10 – doenças do rim, uretra, etc …
11 – doenças do estômago causadas por parasitas abdominais, as hemorróides, as desordens vertebrais, a gota, as varizes, a elefantíase
12 – as diferentes espécies de cancro, inflamações, abcessos e tudo que se relaciona com as fraquezas do corpo
13 – as doenças dos ossos, fracturas, doenças internas e úlceras, feridas dos órgãos genitais
14 – defecação e vómito
15 – as febres e as doenças causadas pela obstrução dos canais naturais
16 – as febres trepidantes e esgotamento, febres e resfriados, febres ardentes ou febres infecciosas
17 – a varíola, a rubéola,e pragas da garganta
18 – condições críticas, crises
19 – a urina e relações com as picadas de serpentes, escorpiões e venenos
20 e 21 – a propósito dos medicamentos
22 – a farmacologia e assuntos respeitantes à medicina e à farmácia

E dizia que «a verdade, em medicina, é coisa que não se pode esperar: tudo que podemos ler nos livros tem menos valor que a experiência dum médico que pense e raciocine». Dizia ainda que «se o doente puder ser tratado com dieta, evitem-se os medicamentos e as associações deles e se pode ser tratado com medicamentos simples deve evitar-se associar vários medicamentos». Foi o primeiro a falar em asma alérgica e na rinite alérgica, relacionando-a com o cheiro das rosas (como dizia na sua dissertação sobre as causas da coriza na primavera, quando as rosas cheiram bem). Como se vê, ele tinha muita razão quando se referia aos médicos que pensam e raciocinam …

Mas o médico mais conhecido da época mais florescente da medicina árabe, foi Avicena. Escreveu o «Canon», onde ordena sistematicamente todas as doutrinas médicas de Hipócrates, Galeno e Aristóteles. Tem para si, como base fundamental de actuação, a teoria dos humores de Hipócrates. Este livro, escrito por volta do ano 1000, ainda em 1600 era livro base de qualquer médico ou Escola.
Dois séculos mais tarde e já no período de decadência da medicina árabe, destacou-se Averróis e depois dele o seu discípulo Maimónides.
Os árabes ficaram ligados ao desenvolvimento da farmacologia, tendo sido responsáveis pela introdução de vários medicamentos obtidos no reino vegetal e na química.
Os hospitais estavam bem organizados, nomeadamente o do Cairo, que já tinha enfermarias para feridos, febricitantes, doenças dos olhos, mulheres e outras. Havia um médico chefe que todos os dias dava lições aos seus discípulos e estes só poderiam vir a exercer a medicina depois de serem examinados por médicos velhos.
A cirurgia era considerada indigna de médico e era praticada por pessoas mal qualificadas, embora tivesse havido alguns que se distinguiram e foram célebres, pela sua actuação, pelos livros que escreveram e pelas magníficas descrições que fizeram dos vários instrumentos cirúrgicos.







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