terça-feira, março 21, 2006

não me falem de política, que eu mordo!


Se há coisa que me baralhe a cabeça quando se trata de escrever algum texto obrigatório é ter a sensação de que se vai escrever sobre o já escrito, sobre um assunto que já tratámos anteriormente, um «remake» que, como todos os remeiques, será sempre inferior ao primeiro que se escreveu ou filmou, mesmo que feito com mais e melhores condições técnicas.Se isso me incomoda e me baralha, uma só coisa me poderá levar a insistir no tema já gasto – a estupidez do assunto ser tão chocante que a nossa compreensão se recusa a aceitá-la e a arquivá-la no fundo das coisas vistas e analisadas, sem lhe dar mais uma volta, mais um aperto, mais uma espreitadela, na longínqua esperança de perceber a razão última para tanta estupidez.E, por vezes, esta verificação é tão evidente que os neurónios começam a dar-se corda ainda antes de se escrever uma única palavra sobre o assunto. Foi isto o que me sucedeu hoje. O tema a tratar deve ter passado no ecrã do meu pensamento, com as luzinhas todas a brilharem e a correrem de forma tão impositiva que o sistema de alarme, qual antivírus atento, disparou os neurónios nesta corrida que até agora estão fazendo, sem proveito, mas de forma inevitável.E que tema é este que tal perturbação me traz e tanto esforço pede a meus cansados neurónios? A política, meus senhores. A política, seja a da saúde, seja a da justiça, seja a social e laboral, para já não falar nas relações exteriores. Essa porca, como portuguesmente lhe chamava Bordallo e nós lhe chamaríamos agora se não tivéssemos necessidade de lhe acrescentar vários adjectivos e superlativos.Pensa-se na política à portuguesa e basta escrever tópicos para se escrever um artigo, tantos e diversos eles são. Querem que vos mostre o que acabo de afirmar?Governo manda apertar o cinto a todos os portugueses. Por isso, passa a haver necessidade de contratar no estrangeiro, para não terem que apertar o cinto, preparadíssimos e adequados assessores para garantirem um perfeito e abalizado trabalho de fundo que permita ao Senhor Ministro saber o que faz quando for preciso tomar decisões ou o que diz quando simplesmente usar a palavra. Ainda recentemente foram contratados dois assessores para o Ministério da Defesa, de nacionalidade desconhecida e nome português, com vencimentos superiores ao do próprio Senhor Ministro.Para que isto fosse possível e coubesse dentro das verbas programadas e calculadas ao cêntimo no Orçamento mais apertado e politicamente correcto do século, houve necessidade de tomar várias medidas sensatas e que apontam para um são desenvolvimento dos jovens portugueses e para a confirmação das inatas virtudes deste povo de bem.Assim, para que os recém nascidos possam logo colaborar no esforço pedido a todos os portugueses e para que desde já aprendam a viver, a adaptar-se, e a saírem vitoriosos das várias contrariedades a que forem sujeitos, foi decidido que não haveria verba para dotar capazmente a unidade de cuidados intensivos da Maternidade com novas incubadoras, novos ventiladores, mais pessoal.Os jovens portugueses colaborarão, sobretudo os que vivem nas terras frias, dispensando aquecimento nas salas de aula a partir das onze horas, da manhã evidentemente, o que permitirá uma grande poupança e um desenvolvimento muscular e corporal apreciável por parte desses bons e jovens portugueses que farão que o seu exercício muscular permanente lhes mantenha as condições térmicas necessárias para não gelarem durante as aulas. E, para que não necessitem de gastar muita energia cerebral, poupando-a toda para a parte muscular, o Governo, sempre atento e protector, decidiu alterar o curriculum escolar e tirar dele todas as disciplinas que fossem esbanjadoras de energia cerebral.Por outro lado, os velhos, como parece que é bonito dizer-se agora, darão também o seu contributo, de modo a que alguns jovens iupis possam não ter que sentir qualquer necessidade ou dificuldade para frequentarem os ginásios, restaurantes caros e comprarem carros e fatos de marca. Por isso, o Governo decidiu, sabedor que era de que todos queriam contribuir para esse gigantesco esforço de recuperação nacional, que todos os pensionistas que auferissem mais de mil euros por mês não veriam aumentadas as suas pensões, o que não lhes causará qualquer transtorno, uma vez que durante 36 anos de trabalho se habituaram a vencer as dificuldades, e que agora, nesta época vespertina de suas vidas, têm menos necessidades e não precisam de frequentar restaurantes, pois haverá por certo um qualquer apoio domiciliário que lhes levará as refeições ao domicílio, ficando apenas obrigatórias as despesas com medicamentos e fraldas.Um país que ainda conta com portugueses destes pode considerar-se feliz e orgulhoso.Quando se soube de tais medidas, o resto da população, aquela a que se chama a força produtiva do país, reclamou também a sua participação e com tal veemência o fez, que o Governo acedeu a criar o pagamento de portagens onde as não havia, a aumentar as que já existiam e a subir os combustíveis, bem como o custo dos transportes públicos (e estes só depois de ter encarregado uma benemérita firma estrangeira que trabalha de borla, a fazer um minucioso estudo do sector), da água, do gás e da electricidade. E para que ficasse claro que tudo se fazia em nome dos necessitados e não dos barrigudos senhores que por aí pululam como cogumelos envenenados, determinou jogos malabares que levassem as acções da companhia eléctrica a não saírem da vertente descendente do gráfico, mostrando claramente quem são os portugueses inequivocamente apoiados por este salvador Governo.E é por tudo isto, meus senhores, que eu peço a todos que não me falem de política. Olhem que eu mordo e mordo mesmo ...

(Já publicado em 2005 e agora renovado com imagem)

CVR

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