segunda-feira, agosto 01, 2011

recordando brito camacho


Manuel Brito Camacho, Um Médico da República
Mais político, do que Médico
por
Carlos Vieira Reis
Historiador Aprendiz

Falar sobre Brito Camacho e apresentá-lo a quem nos ouve pode ser aliciante, mas não é tarefa fácil. Não só pela multiplicidade das facetas que o caracterizam, como pela pouca clareza de algumas, pelos traços da sua personalidade, suas razões ou consequências, pela dúvida sobre qual foi a sua verdadeira profissão, se aquela para a qual a Universidade o preparou ou se aquela para onde uma paixão o arrastou, saber esclarecer quem era ele na verdade, se o orador inflamado, ou o panfletista, o escritor político ou o observador atento de viagens, o zelador escrupuloso do bem comum ou também um aproveitador de benesses, se o injustiçado ou o apagado servidor dos homens e da pátria?
Quem foi realmente Brito Camacho? O que o guiava, o que pretendia, porque lutava?
Foram todas estas questões que ora enunciei, que me coloquei antes de começar a escrever fosse o que fosse. Mas se levantei essas dúvidas e quis, desde sempre, conduzir as minhas palavras pelos carris da linha de pensamento que iria construir para esta viagem através da vida de um vulto histórico da República, que isso indubitavelmente é, rapidamente me apercebi que teria de arrepiar caminho e ficar-me pela singeleza de uma nota histórica que se poderia ler em qualquer enciclopédia, apenas pintalgada ou sarapintada de uns borrifos de novidade, de chamadas de atenção para isto ou para aquilo, aqui ou ali, em todo sítio que o pudesse fazer, pois, a ser de outra forma, a palestra poderia chegar ao fim mas seria já sem ouvintes, se considerar-mos a dimensão com que ficaria.
Percebi que para mostrar Brito Camacho tal como o desejava fazer, teria que dividir a sua vida em capítulos e tratar cada um deles isoladamente e desgarrados do resto. Mas, para assim fazer, nunca poderia ser hoje, numa conversa generalista como esta vai ser e que, sem convicção, espero que todos ouçam sem grande enfado.
Digamos que tenho que apresentar este monólogo como se fosse uma história que se conta e nada mais do que isto.
Sendo assim, terei que começar esta charla dizendo – Era uma vez
Um casal de lavradores alentejanos, ele Manoel de Brito Camacho, ela D. Maria Bárbara, que viviam e trabalhavam no Monte das Mesas da aldeia de Rio de Moinhos, concelho de Aljustrel, a quem no dia 12 de Fevereiro de 1862, nasceu um filho a quem deram o nome de Manuel Brito Camacho Júnior.


Não sei qual a razão, se por vontade do pai ou por sua morte, o certo é que aos 14 anos de idade este jovem, então estudante, deixou de usar o Júnior com que foi registado e passou a usar apenas o nome de Manuel de Brito Camacho.


Em vários lados se lê que terá tido um meio-irmão, cinco anos mais novo, que se chamou Inocêncio Camacho Rodrigues e que teve um futuro risonho, apenas ensombrado durante o seu mandato como governador do Banco de Portugal, pelo escândalo causado pelas burlas de Alves dos Reis. Não creio, contudo que isto seja verdade, a menos que a criança tenha sido registada em nome do marido da mãe, sendo verdadeiro pai Brito Camacho. De facto, encontra-se registado como filho de Manuel do Carmo Rodrigues da Costa e de sua mulher Genoveva Máxima Camacho.
Manuel de Brito Camacho fez os estudos primários em Aljustrel e no Liceu em Beja, sendo um bom e aplicado aluno, nada mais merecendo especial realce.

Fez os Estudos Preparatórios na Escola Politécnica em Lisboa e depois ingressou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde se licenciou em 1884. Também aqui podemos dar esta informação telegráfica e considerá-la bastante.
Casou com Maria da Luz Nunes, uma filha do Dr. José Jacinto Nunes, Senador da República e presidente das Câmaras de Torres Vedras, Abrantes e Grândola figura grada em todas as regiões onde exerceu a profissão e a política autárquica, o que, de certo modo, indica que Brito Camacho tinha já alguma consideração a nível da burguesia e fez um casamento socialmente benéfico para ele.
Foi um casamento curto e infeliz, pois terminou com a morte de sua mulher durante o parto da única filha do casal a que se seguiu a morte desta, algum tempo depois. O enorme desgosto então sofrido pelo desaparecimento súbito da sua jovem esposa e da sua única filha, parece ter moldado o carácter de Brito Camacho, fazendo dele um homem duro, triste, revoltado e, por vezes, pouco sociável.




Logo após a sua licenciatura em Medicina iniciou a sua vida de médico no Alentejo, em Torrão. A sua actividade médica foi curta, muito curta mesmo, parecendo seguro ter preferido a escrita e a política à medicina, desviando-se assim daquela que, supostamente, iria ser a sua profissão.
Começou a escrever no jornal «Nove de Julho», folha política, litterária e noticiosa, que se editava em Beja, desde 1885.
Apesar disso, ainda ingressou no Quadro Permanente dos Médicos Militares em 23 de Abril de 1891, mas logo em 18 de Abril de 1895 solicitou a passagem à Inactividade temporária sem vencimento e em 11 de Julho de 1897 acabou por requerer a sua demissão, o que o Rei prontamente deferiu, podendo levantar-se aqui a hipótese deste deferimento rápido do rei ter a ver apenas com as ideias republicanas de Brito Camacho e os ataques que frequentemente dirigia à monarquia e ao rei.
Neste curto período de seis anos que durou a sua verdadeira carreira de médico militar, teve um processo disciplinar e um ano de suspensão de funções e foi transferido para os Açores.
Regressou em 1894 e foi colocado em Viseu.
Iniciou então colaboração regular na imprensa. Fundou, com Ricardo Pais Gomes e Ribeiro de Sousa, O Intransigente, jornal de crítica política e propaganda republicana que se publicou até Junho de 1895.
Nos anos de 1896 e 1897 dedicou-se à publicação e à colaboração com periódicos republicanos e desenvolveu em Évora intensa acção política, realizando conferências e inúmeros comícios.
Em 1902 apresentou uma tese de doutoramento na Universidade de Paris e em 1904 ainda concorreu a Professor da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Tanto quanto se sabe, não chegou a concluir nenhum destes projectos, nem se vislumbram os objectivos de tais esporádicas e falhadas incursões na Medicina e, muito menos a razão da escolha de Paris.
Em 1906, fundou, com outros, o periódico republicano A Lucta, que iniciou publicação no dia 1 de Janeiro. A Lucta foi o mais influente periódico republicano e, tempo depois, transformou-se no órgão oficioso do Partido Unionista.



Foi no Centro Socialista das Amoreiras que fez a sua primeira conferência política intitulada «A coroa substituída pelo chapéu alto».
Foi eleito deputado pela oposição republicana, nas eleições que se realizaram a 5 de Abril de 1908, após o Regicídio.
Falou pela primeira vez na Câmara de Deputados a 9 de Maio, protestando contra o facto de o terem obrigado, como deputado, a jurar manter uma religião que não professava e a ser fiel a uma instituição que combatia; e, logo então, apresentou um projecto de lei que visava abolir em todas as instâncias o juramento político. No Parlamento e na imprensa foi o grande defensor do derrube da monarquia e um dos líderes do movimento de opinião pública que criou as condições para a implantação da República Portuguesa a 5 de Outubro de 1910.
Em Agosto de 1909 tomou parte activa na organização das manifestações promovidas pela Junta Liberal de Miguel Bombarda. Foi dele que Brito Camacho recebeu as últimas indicações revolucionárias, a 3 de Outubro de 1910, quando aquele foi vítima mortal de um atentado.




As suas relações com o Almirante Cândido dos Reis, chefe militar do movimento insurreccional e com outros oficiais do Exército e da Marinha, permitiram a Brito Camacho, médico militar, ser um interlocutor privilegiado entre políticos e militares.
Foi um dos protagonistas da cisão do Partido Republicano Português (PRP), que originou os três principais agrupamentos políticos do novo regime - o Partido Democrático (Afonso Costa), o Partido Evolucionista (António José de Almeida) e o Partido da União Republicana ou Unionista (Brito Camacho).


Esta sua posição política, como líder e chefe de um dos principais partidos de então, levaram naturalmente à sua entrada para o Governo ou, pelo menos, a fazer dele um influente homem político.
Não é de estranhar, podendo até ajudar a que se perceba o comportamento político de agora, que o Governo tenha promulgado um Decreto, logo em 21 de Novembro de 1910, publicado na Ordem do Exército n.º 9, 2.ª série, que considerava Brito Camacho reintegrado nos quadros do Exército, no posto de capitão, contando a antiguidade desde 19 de Julho de 1901 e passando a ser promovido regularmente, ao longo da vida, até ao posto de Coronel Médico.
Este Decreto foi assinado por Joaquim Theófilo Braga, António José d’Almeida, Affonso Costa, José Relvas, António Xavier Corrêa Barreto, Bernardino Machado e António Luiz Gomes, para o qual tomo a liberdade de chamar a vossa atenção e que era do seguinte teor:


«Entre o grupo distincto dos mais ardentes servidores da Republica Portugueza, que como irrisória compensação, ainda hoje estão soffrendo as consequências da sua patriótica iniciativa, devotada isenção e inquebrantável amor pela causa pública, figura em vantajoso destaque o ex-cirurgião ajudante do regimento de artilheria n.º 2, Manuel de Brito Camacho.
Há cerca de vinte annos que este benemérito cidadão tem dedicado, com exclusivo e perseverante ardor, ao serviço e pública propaganda do ideal republicano, as melhores energias do seu carácter e os maiores fulgores do seu talento. Desde os seus artigos no extincto jornal Nove de Julho, até aos seus trabalhos brilhantes como conferencista, orador e organisador de núcleos de resistência contra o decaído regímen monarchico, e ainda ultimamente a diffusão esclarecida e methodica dos princípios democráticos feita entre as classes mais illustradas da sociedade portugueza pelo seu apostolado admirável no jornal A Lucta, Manuel de Brito Camacho tem-se revelado sempre como um dos mais arrojados, confiantes e leaes cooperadores n’essa obra grandiosa de saneamento e justiça que acaba de emancipar a Pátria Portugueza.
A collaboração de Manuel de Brito Camacho no jornal Nove de Julho e a apresentação da sua candidatura como deputado republicano, valeram-lhe a imposição d’uma grave pena disciplinar, que o levou, depois, com justificado desgosto, a demittir-se do exercito.
É agora um dever elementar de equidade reparar a injustiça feita e reintegrar o ex-cirurgião ajudante Manuel de Brito Camacho no cargo que antigamente exercia no exercito, com a sua folha de serviço limpa e occupando o posto na escala de promoção que hoje lhe pertenceria se não tivesse deixado o exercito.
É como expressão d’este levantado princípio de justiça que se publica o seguinte decreto.
O Governo Provisório da Republica Portugueza decreta, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - É annullado o castigo imposto em 9 de Abril de 1894 a Manuel de Brito Camacho, sendo riscada a nota na respectiva folha.
Artigo 2.º - É reintegrado nos quadros do exercito o ex-cirurgião ajudante Manuel de Brito Camacho, no posto de capitão médico, por ser esta a sua altura na escala de promoção, com a antiguidade d’este posto, de 19 de Julho de 1901.
Determina-se, portanto, que todas as auctoridades a quem o conhecimento e a execução do presente decreto, com força de lei, pertencer, o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como n’elle se contém.
Os ministros de todas as repartições o façam imprimir, publicar e correr.
Dado nos Paços do Governo da Republica, aos 21 de Novembro de 1910»

E logo a 23 de Novembro de 1910, foi nomeado Ministro do Fomento do Governo Provisório, substituindo o Dr. António Luiz Gomes.
Levou a cabo importantes reformas e decisões sobre o crédito agrícola, os caminhos de ferro e os transportes em geral.
Em 18 de Dezembro de 1910, com as assinaturas de Teófilo Braga e Brito Camacho, foi criada a ACAP (Associação de Classe Industrial de Vehículos e Artes Correlativas), hoje Associação Automóvel de Portugal que representa um dos mais dinâmicos e inovadores sectores da economia nacional.
Mas preocupou-se, sobretudo, com o ensino técnico. Neste sector fez publicar em Maio de 1911 (vão lá 100 anos) um Decreto onde procedeu à divisão do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, criando em sua substituição o Instituto Superior de Comércio (actual ISEG) e o Instituto Superior Técnico, por considerar que “o nosso atraso provém, apenas, de insuficiência do nosso ensino técnico, insuficiência que ontem era um mal e hoje é um perigo dada a luta de competência que é preciso suportar na concorrência aos mercados de todo o mundo”.
Em Setembro de 1911, após as primeiras eleições republicanas, voltou a integrar o Governo.
Durante a I Grande Guerra conservou-se afastado dos governos da União Sagrada, defendendo a ideia de que a participação de Portugal deveria ser nas colónias e não em França.
Apesar de ele não concordar, Portugal decidiu constituir o Corpo Expedicionário Português e entrou na Guerra.
No que a esta respeita, para além do seu pensamento político sobre ela, sobram dois acontecimentos que me parecem merecer especial atenção e reflexão sobre a sua personalidade e o poder do poder. Brito Camacho esteve mobilizado e foi desmobilizado, como se poderá ver na leitura de dois documentos que elaborou a esse respeito e que representam apenas a visão unilateral e pessoal dos factos e onde se pode ler o seguinte:
«Chegou ao meu conhecimento que um tenente coronel médico reclamou da ordem que o mandava seguir para França, em serviço de campanha, alegando que a mim e não a ele competia, n’aquella altura, uma tal missão de serviço.
Sou levado a crer que não tinha bons fundamentos a reclamação, visto não ter obtido despacho favorável; mas nem por isso deixa de ser verdade que na Secretaria da Guerra existe um documento em que um oficial do meu quadro e da minha patente se considera prejudicado em meu favor.
Em 12 de Fevereiro de 1917, sendo deputado da Nação, dirigi ao Presidente da Câmara dos Deputados uma carta assim redigida
Ex.mo Snr. Presidente da Câmara dos Deputados
Em nota de que me foi dado conhecimento hoje, o Quartel General da 1.ª Divisão do Exército ordenou ao Ex.mo Director do Hospital Militar de Lisboa que me mandasse apresentar na 5.ª repartição do Ministério da Guerra, afim de ser incorporado como capitão médico, na expedição a Moçambique.
Fiz imediatamente a minha apresentação.
Tenho, pela Constituição Política da República, o direito, que é ao mesmo tempo uma obrigação, de acompanhar regularmente os trabalhos parlamentares, e desse direito não prescindo enquanto durar a sessão legislativa ordinária, isto é, até 2 de Abril. Terminada ella, se o Ministério da Guerra carecer dos meus serviços fora do território continental da República, estarei pronto a desempenhá-los.
Digne-se V.a Ex.a comunicar ao Ministério da Guerra, para os devidos effeitos, o que deixo exposto.
Saúde e Fraternidade.
Sala das Sessões, 12 de Fevereiro de 1917
Manoel de Brito Camacho

No segundo documento dirigido ao Chefe da Repartição de Saúde Militar, a quem envia cópia do documento anterior, diz o seguinte:
Como V.a Ex.a vê, estou à disposição do Ministério da Guerra, para serviço de campanha, desde o dia 2 de Abril de 1917, até aos primeiros dias de Dezembro do anno corrente, por ter prescindido das minhas imunidades parlamentares, e a partir de então por ter perdido essas imunidades, dissolvido por decreto o Congresso da República.
No dia 8 de Junho próximo passado apresentei-me no Quartel General Territorial do C.E.P. com guia da 5.º repartição da 2.ª direcção da Secretaria da Guerra, e no dia 21 imediato, finda a licença regulamentar que gozara, foi-me lançada na guia esta verba – Apresentado e marcha amanhã para França no comboio das 20 e 05 a apresentar-se ao serviço do C.E.P. devendo apresentar-se na legação portuguesa de Paris no dia 25 do corrente.
Sucedeu, porém, que n’este mesmo dia, por motivos que ignoro, a Secretaria da Guerra mandou sustar a minha partida, ficando demorado sem limitação de tempo.
Encontro-me na situação que me criou a Secretaria da Guerra, por motivos de que nem sequer tenho o direito de inquirir; mas como já um oficial do meu quadro e da minha patente reclamou por não ir eu para França adiante d’elle, resolvi fazer a V.a Ex.a, como chefe da corporação dos médicos militares, a quem incumbe uma função tutelar com respeito aos seus interesses e decoro, esta exposição que fará parte do meu processo individual, para lhe dizer que marcharei para o serviço de campanha, logo que me mandem marchar, sem que verifique o logar que ocupo na respectiva escala e sem olhar para traz, no momento da partida, a ver se fica por cá alguém que devesse ir adiante de mim.
Saúde e Fraternidade.
Lisboa, 7 de Setembro de 1918
Manoel de Brito Camacho
Tenente-coronel médico»

Em 1920 e apenas com 58 anos de idade recusou o convite para formar um governo apoiado pelo Partido Liberal Republicano (que resultara da fusão dos Partidos Unionista e Evolucionista), o que seria a cereja em cima do bolo, pelo que representava ser o seu Partido Unionista, embora apoiado por outro, a chefiar o Ministério.
Mas, Brito Camacho recusou. Por medo ou cobardia não seria, pois disso a sua frontalidade o impediria.
Parece a um observador menos atento como eu, que Brito Camacho sofreria já os efeitos de uma vida agitada e tumultuosa e não via sair desses primeiros anos da República os frutos que imaginara e desejara para o país, mas antes via a repetição dos erros do passado e o domínio dos pobres pelos ricos, com umas finanças cada vez mais esgotadas, uma grave crise bancária e dívidas ao exterior.
Exerceu ainda as funções de Alto Comissário da República em Moçambique, de Março de 1921 a Setembro de 1923, embora regressasse a Lisboa em 1922, provavelmente por doença.
Em 1925, manifestou a vontade de abandonar a vida política activa e o cargo de Deputado.
Continuou, no entanto, a promover a defesa dos ideais democráticos e da estabilidade política da República, em inúmeras conferências pelo país.
Parecia adivinhar o que lá vinha, pois após a Revolução de 28 de Maio de 1926 foi obrigado a abandonar a actividade política e retirou-se para a vida privada.
Era um livre pensador. Pugnou por mais educação popular e apoiou os Grémios de Instrução e os Centros Escolares Republicanos pois considerava «…que aos letrados não convém que se difunda e intensifique a instrução, assim como aos ricos não convém que haja uma repartição mais equitativa das fortunas. Se o nível intelectual subisse, o valor de muita gente baixava, porque se tornaria manifesta a sua incompetência para ascenderam às posições que ocupam. A ignorância, mais que a preguiça, é a mãe de todos os vícios, porque, embora não tire ao homem o lugar que ocupa na escala zoológica, reduz a pouco mais de nada a sua categoria social, o seu valor como cidadão». (em Matéria Vaga, pág. 6).
Pertenceu ao Grande Oriente Lusitano, tendo-se iniciado em 1893 no triângulo de Torres Novas.
A sua vida literária foi vária e vasta, quer como publicista, contista, literatura de viagens, cronista político ou de costumes.
Dizia que era para si que escrevia - «esforço-me para que os meus escritos reflictam o mais exactamente possível o meu particular modo de pensar e de sentir, as minhas ideias e os meus sentimentos, sempre norteado por um ideal de justiça, de verdade e de beleza».
É muito extensa a sua obra publicada, de que são prova os 39 títulos abaixo descriminados. Mas além dos livros publicados há que ter em conta as centenas de artigos publicados, as dezenas de palestras efectuadas.

Lourdes / Gente vária / Contos e sátiras / Gente rústica / Contos ligeiros / A reacção / Por ali fora: notas de viagem / Os amores de Latino Coelho / Gente bóer: aspectos de África / Por cerros e vales / De bom humor / A linda Emília / Impressões de viagem: cartas a um jornalista / Longe da vista / Moçambique: problemas coloniais / Rescaldo da guerra: através do "Livro Branco" / Política colonial / D. Carlos, íntimo / Memórias e narrativas alentejanas / Contos selvagens: recordações de África / A caminho de África / Questões nacionais / Nas horas calmas / Jornadas / Dois crimes / Cenas da vida / Ao de leve / Ferroadas / Quadros alentejanos / Pretos e brancos / Pó da estrada / Terra de lendas / Portugal na guerra / Rescaldo da guerra através do "Livro branco": continuação do "Portugal na guerra" / Matéria vaga / A reacção / Longe da vista / A educação nacional / Por ahi fóra: notas de viagem



































Manuel Brito Camacho foi sempre uma personalidade polémica. Admirado por muitos e odiado por outros tantos. Era uma personalidade que não deixava ninguém indiferente.

Raul Brandão que considerava que a liderança da República assentava em três políticos dizia deles - «O Afonso Costa desperta paixões e manda, o António José (de Almeida) arrasta multidões com frases. O Brito Camacho, até quando tem razão, é detestado – talvez mais detestado do que quando a não tem […]” .
Podia ser detestado, tanto como era amado. Mas não era neutro.
Personalidade marcada e influente, pouco sociável e contestatária, peça importante na luta pelo derrube da monarquia e pela implantação da República, talvez isso explique o interesse que foi despertando naquela época e ao longo dos tempos e de que são prova os vários livros que sobre ele se escreveram:

Manuel Brito Camacho ; org. e pref. António Aresta
Brito Camacho : político 1862-1934 / textos Teresa Sancha Pereira ; coord. António Trindade, Álvaro Albuquerque
Manuel de Brito Camacho : alguns aspectos sobre o homem e a sua genealogia pela comemoração do centenário da fundação do jornal "A lucta" / Orlando da Rocha Pinto
O pensamento anticlerical de Brito Camacho / Luís Vaz ; pref. António Arnaut
Brito Camacho - calunialista / Eduardo de Almeida Saldanha
Brito Camacho / M. Ferreira de Mira e Aquilino Ribeiro
Brito Camacho : algumas reflexões acerca da sua obra colonial / João Fernandes
A rebolação: resposta ao folheto "A Reacção" do Sr. Dr. Brito Camacho / Frey Gil
Brito Camacho (Tropical) : compilação dos artigos publicados em 1933 / Ismael Alves da Costa
Brito Camacho ameaçado de morte pelos democráticos e o 19 de Outubro / Tomé Vieira


Contudo o interesse que motivou os autores destas obras, foi bem maior que o reconhecimento público da sua carreira de político e de médico. Teve poucos louvores e honrarias, talvez porque o seu pensamento político se poderia definir tal como o escreveu na página 6 de «Matéria Vaga» e que atrás vos li, mas não será de mais repetir:

«…que aos letrados não convém que se difunda e intensifique a instrução, assim como aos ricos não convém que haja uma repartição mais equitativa das fortunas. Se o nível intelectual subisse, o valor de muita gente baixava, porque se tornaria manifesta a sua incompetência para ascenderam às posições que ocupam. A ignorância, mais que a preguiça, é a mãe de todos os vícios, porque, embora não tire ao homem o lugar que ocupa na escala zoológica, reduz a pouco mais de nada a sua categoria social, o seu valor como cidadão». (em Matéria Vaga, pág.6).

Louvado pela muita competência de que deu prova nos trabalhos apresentados e pela dedicação e interesse como procurou levar a cabo a missão que lhe havia sido confiada como vogal da comissão nomeada para a reorganização do Exército (2 de Maio de 1911), é tudo menos um louvor a um homem da sua envergadura política.
Ordem Militar de Aviz, um pouco melhor.
Comendador da Ordem de S. Thiago da Espada, é pior que não ter, no seu caso. Comendador, só?
Medalha comemorativa das Campanhas do Exército Português?
E se considero que foi pouco louvado ou medalhado, não deixo de considerar estranho que tenha recebido a Medalha das campanhas do Exército, quando não fez nenhuma delas, fosse ou não por sua culpa, não as ter feito.
Como parece ser comum à maioria daqueles que fizeram algo de útil pela Pátria ou pela Humanidade, também com ele sucedeu que só passados anos sobre a sua morte a memória dos homens se tenha lembrado dele e tratasse então de perpetuar a sua memória:
Foi dado o seu nome a várias ruas e avenidas nas seguintes localidades – S. João do Estoril, Oeiras, Lisboa, Évora, Ferreira do Alentejo, Viana do Alentejo, Beja, Castro Verde, Montemor o Novo, Pedrógão do Alentejo, Pias, Lourenço Marques (hoje Patrice Lumumba em Maputo), Sesimbra, Évora, Rio de Moinhos, Almodôvar.
A 29 de Outubro de 1987, o Presidente da República Mário Soares, descerrou uma lápide comemorativa na casa de Aljustrel onde Brito Camacho viveu, onde se lê – Homenagem a Brito Camacho por ocasião da instalação da Presidência da República no Alentejo, sendo Presidente da República o doutor Mário Soares Aljustrel, 29-10-1987.



Em 1999 foi atribuído o nome de Brito Camacho à Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos de Aljustrel, designado seu patrono e inaugurado o seu busto em bronze, perpetuando a sua memória.



Morreu em Lisboa no dia 19 de Setembro de 1934.

Tenho dito.

2 comentários:

artur disse...

Parabéns Dr. Carlos !
Para "aprendiz de historiador", como modestamente se intitula, este texto sobre Brito Camacho está muito bom.
Artur Caldas

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Dr. Carlos Vieira Reis,

Muitos parabéns por este excelente texto!

Sou professor de História e investigador e ando à procura do espólio familiar de Manuel de Brito Camacho. Gostaria de saber se me pode ajudar dando-me pistas para tentar aceder ao espólio de Brito Camacho. Já fiz um texto no meu blogue que despertou alguma atenção e estou a procurar novas bases para um trabalho de investigação mais aprofundado de que aqui colhi dados muito interessantes. Ficar-lhe-ia muito grato se o excelentíssimo Senhor Dr. Carlos Vieira Reis tiver a gentileza de me ajudar com algumas dicas que me possam conduzir ao espólio familiar de MBC.

Com os meus melhores cumprimentos, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
www.damiaogois.blogs.sapo.pt
www.mil-hafre.blogspot.com